Hackathon Desafio Ambiental: Aprendizagens Ativas e Interdisciplinares com Resolução de Problemas Reais.

Acadêmicos dos cursos de Pedagogia, Direito, Administração e Publicidade tem projeto aprovado pela Vale em Hackathon

 


Por Alessandro Sangiorgio da Silva, Faculdade Novo Milênio


     1. INTRODUÇÃO 

     Muito se tem discutido sobre como pensar a educação, os processos de ensino-aprendizagem, a modernização de métodos e sistemas de ensino, o papel do educando, da escola, do educador, dentre muitas outras variáveis. Uma das formas de se pensar a educação é por meio de metodologias ativas. Dentre os indícios de que se está praticando uma aprendizagem ativa, está o fato de que o educando tem, não apenas a teoria, mas também a vivência da aprendizagem, reflete, problematiza a realidade, trabalha em equipe, inova, ocupa o centro de suas aprendizagens e desfruta de autonomia. 

    O fazer pedagógico baseado em atividades nas quais o educando é ativo tem base em teorias da aprendizagem. De acordo com Diesel (ET AL 2009, p. 280), uma delas é o interacionismo que pressupõe que o sujeito desenvolve-se a medida que aprende, e esse aprendizado, é derivado da apropriação daquilo que é oferecido pelas pessoas ao seu redor, pela cultura, nas atividades realizadas em sala, nos aportes fornecidos pelo educador, pelos livros etc. Para além disso, o educador que defende essa ideia necessita dar voz ao educando para que se torne o sujeito de sua aprendizagem, e pensar a aprendizagem não só como fruto apenas do contexto do aluno ou somente do próprio indivíduo, mas na interação de ambos os fatores. John Dewey supõe a valorização dos interesses e das atividades dos educandos, e reconhece no educando o centro dos processos de ensino e aprendizagem. 

    Um ideal tradicional de ensino, as aprendizagens partem do pressuposto de que o professor possui o domínio do conhecimento, sendo o centro do processo, transmitindo o conhecimento. Nesse contexto, o aluno está predisposto a aprender ou memorizar, apenas aquilo que o professor idealizou, muitas vezes absorvendo tudo de forma mecanizada, dando lugar a uma “educação bancária”. Freire define a educação bancária como “um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador, o depositante” (FREIRE, 2017, p. 80). 

    Em contrapartida, o uso de metodologias ativas rompe com as limitações proporcionando liberdade e autonomia ao educando, ampliando de forma ilimitada as possibilidades de expansão e de aprofundamento do tema por parte do mesmo, principalmente, se for um tema de seu interesse. Dessa forma, deixa de ser apenas um depósito de conhecimento para, a partir de suas ações, análise e reflexões, possa construir o conhecimento, dando sentido a tudo isso e desenvolvendo atitudes e habilidades para lidar com a atualidade da sociedade e do mercado de trabalho. De maneira alguma pretende-se desprezar o domínio dos conteúdos, mas pensar que este pode ser apenas um dos pressupostos de aprendizagens atuais. 

     Se nas metodologias ativas, como dito acima, é possível um aprofundamento bem amplo por parte do educando, por outro lado, vivemos em um mundo em constante transformação, raso, no qual a rapidez e as mudanças bruscas são frequentes. Esse é o mundo descrito por Zygmunt Bauman no livro Vida Líquida, 2005. Para ele, a Vida Líquida está presente e ligada a uma sociedade líquida-moderna. Esta sociedade está firmada no pressuposto no qual “as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que o necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir”. Ele também enfatiza a rapidez de como tudo acontece na vida líquida apontando que a história perde lugar para o que é passageiro, os finais são mais importantes que o início. 

     A constância, a aderência e a viscosidade das coisas tanto animadas quanto as inanimadas, são os perigos mais sinistros e terminais, as fontes dos temores mais assustadores e os alvos dos ataques violentos. A vida numa sociedade líquida-moderna não pode ficar parada (BAUMAN, 2007, p.9).

    Bauman não só descreve a sociedade contemporânea, mas faz uma comparação com a sociedade de tempos atrás que ele chama de sociedade “sólida”. Diesel (ET AL 2009, p. 269), escreve que a sociedade sólida é marcada pela “durabilidade em que os conhecimentos adquiridos pelo sujeito davam suporte à resolução de problemas pelo resto da vida [...]”. Obviamente, na sociedade líquida, memorizar e dominar conteúdos já não é o suficiente, posto que a grande dinâmica social impõe novos e complexos problemas dos quais as soluções são igualmente alternadas. 

    Posto isso, a educação precisa não somente proporcionar ao educando o conteúdo, mas oportunizar o desenvolvimento de competências que possam, junto aos conteúdos, serem sintetizadas em busca da construção de novos conhecimentos e soluções para o dia a dia dos estudantes. Sobre competências, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define como: 

     A competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (BRASIL, 2018, pág. 8) 

     Outrossim, é necessário possibilitar o desenvolvimento integral do educando em suas diversas dimensões como a cognitiva, a intelectual, física, afetiva e socioemocional, social e cultural. Este princípio é previsto na BNCC, e por ela chamado de educação integral. 

     [...]a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. (BRASIL, 2018, pág. 14) 

     Além da necessidade de uma educação que proponha métodos modernos para o fazer pedagógicos, nos quais necessita-se buscar o desenvolvimento integral, o sujeito ativo em seu processo educativo, é imprescindível ainda, propor outra superação de um modelo antigo. As propostas são de rompimento com a segmentação dos diferentes campos de saberes propondo a interdisciplinaridade. Sobre ela, os Parâmetros Curriculares Nacionais dizem que: 

     A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos de conhecimento produzido por uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre eles questiona a visão compartimentada (disciplinar) da realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constitui. Refere-se, portanto, a uma relação entre disciplinas. (BRASIL, 1997, p.31) 

     Retomando as metodologias ativas, tendo em mente a superação do modelo de educação bancária e tendo como contexto a sociedade líquida, tem-se uma tendência de evento que cresce cada vez mais atualmente: o hackathon. Gessi (ET AL 2021, p.226) diz que o evento pode ser entendido como um método de aprendizagem que é interdisciplinar. É proposto um desafio no qual se busca encontrar a solução para algum dilema, normalmente, associado ao futuro da sociedade. Além disso, é um método inovador que propõe trabalho em equipe e solução de problemas de forma criativa no qual o educador tem papel de mediação. 

     Na prática, o evento é uma maratona, composta por equipes, com duração entre 24 e 48 horas. É colocado um desafio, um problema que atinge uma empresa, uma comunidade ou a sociedade como um todo, e os participantes têm a missão de encontrar uma solução. Ele pode ser presencial ou on-line. Ele ocorre em 3 fases, a saber: Ideação, Prototipação e construção dos Pitches. A ideação é a fase em que os educandos fazem seus debates e conversas em busca de uma solução. A prototipação é a fase na qual eles tornam concreta a sua solução criando protótipos ou Minimum Viable Product (MVP), que pode ser traduzido como Produto Mínimo Viável (PMV). Durante tais fases, os participantes são acompanhados por mentores que são especialistas em áreas que envolvam o problema apontado como meta de resolução no evento. 

    Por fim, os pitches que nada mais é que uma apresentação entre 3 e 5 minutos na qual os participantes devem apresentar seu projeto de solução. Na apresentação, alguns jurados acompanham, fazem perguntas e sugerem soluções e melhorias para os projetos, e em alguns casos, devem pontuá-los apontando que um projeto a ser adotado é retirado do papel. O SEBRAE define MVP e Protótipo e as diferenças entre eles. O MVP pode ser testado pelo público e, recebendo os feedbacks, pode ser aperfeiçoado. Já o protótipo, embora tenha uma definição semelhante ao MVP, pode não ser utilizado pelo público como pode-se inferir na descrição feita pelo SEBRAE: 

     O protótipo tem a ver com a viabilidade técnica do serviço ou produto comercializado pelo negócio, que são melhorados através da coleta do feedback dos clientes. Ele se refere ao produto de maneira simplificada, assim como o MPV. São levadas em conta as características mínimas do serviço ou produto, mas sem que necessariamente o cliente possa utilizá-lo. É apenas uma idealização e representação. O protótipo transforma a ideia em algo palpável e concreto. (SEBRAE, 2019, n.p) 

     Retomando a demanda pedagógica, infere-se ainda que o Hackathon é uma estratégia de Aprendizagem Baseada em Projetos (PBL - Project Based Learning). RAIMUNDO apud Gessi, et al. 2021, p.233) diz de uma inversão no processo de aprendizagem. Enquanto no processo tradicional aprende-se a teoria para depois aplicá-la, e isso pode ser que ocorra muito tempo depois, utilizando o PBL a aquisição e aplicação de conhecimento ocorrem simultaneamente bem como a aplicação a um problema real, podendo ainda, proporcionar o desenvolvimento do empreendedorismo, uso da tecnologia como parte da solução final. 

    Portanto, o Hackathon consegue envolver diversos paradigmas atuais propostos para a educação. É uma proposta interdisciplinar, ativa, pressupõe um projeto de educação integral, em um mundo de instantes como descrito por Bauman. Reunir tantos requisitos apontados como formas de melhorar o processo de ensino-aprendizagem, faz desse evento uma excelente oportunidade para educadores, educandos, instituição e sociedade contribuírem de forma não fragmentada para o desenvolvimento do cidadão. 


     2. RELATO DE EXPERIÊNCIA 


     Em novembro de 2021, a Vale em parceria com a Moola, promoveu o HACKATHON - 2° Desafio Atitude Ambiental. Por indicação e apoio da coordenação pedagógica do curso de Licenciatura de Pedagogia na pessoa da Professora Mestra Maria da Penha Fonseca Coordenadora do Curso de Pedagogia, Professora Mestra Renata Frechiani, hoje Coordenadora do Núcleo de Extensão (NEX) e a Professora Mestra Fernanda Toso Coordenadora do Núcleo de Inovação Acadêmica (NINA). 

     Formou-se uma equipe interdisciplinar composta pelos seguintes acadêmicos: Alessandro Sangiorgio da Silva (Pedagogia), Athirson Jesus (Direito), Davyd Celante (Administração) e Lucas Santana (Publicidade e Propaganda). O projeto, denominado Plástico Solidário elaborado pelos discentes da Faculdade Novo Milênio, foi aprovado, recebeu mentoria por 6 meses e saiu do papel. 

     Nosso objetivo era elaborar uma solução sustentável para direcionar o descarte adequado e o reaproveitamento de materiais recicláveis, em especial, plásticos. Para isso, lançamos nossos olhares acadêmicos sobre 2 problemas: O trabalho desumano ao qual os catadores de reciclados se submetem e a destinação incorreta dos materiais recicláveis residenciais. Como solução, a proposta era criar um triciclo e disponibilizar aos catadores, devidamente cadastrados na cooperativa de reciclados Revive, para que pudessem utilizar na coleta de materiais previamente separados pelos moradores. O projeto incluía para os catadores, muitos deles moradores de rua, preços mais justos pelo material, local para banho, descanso e alimentação. A fim de gerar uma renda extra, os triciclos incluíam kit multimídia com objetivo de sensibilizar as comunidades atendidas pelo projeto e oferecer publicidade ao comércio local. 

    De acordo com Alessandro Sangiorgio, um dos participantes do evento, foi uma oportunidade incrível de estar em contato com outros futuros profissionais de áreas variadas ampliando o networking, a interação entre diferentes conhecimentos e saberes, aprendizado interdisciplinar e ativo. Acadêmicos lidando com problemas sociais modernos propondo e executando soluções enriquecendo o aprendizado com teoria e prática.” 

    Já a professora Fernanda Toso, relatou que “como educadora, participar do Hackathon, foi uma experiência maravilhosa, pois consegui visualizar o processo de ensino-aprendizagem através da interdisciplinaridade com alunos de vários cursos: Pedagogia, Administração, Direito e Publicidade. Só a participação valeu a pena, mas receber o primeiro lugar foi maravilhoso. Tive a certeza de que estamos no caminho certo. A educação muda a vida de qualquer pessoa.” 

     

    REFERÊNCIAS 


     BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2007. 

    DIESEL, Aline; BALDEZ, Alda Leila Santos; MARTINS, Silvana Neumann. Os princípios das metodologias ativas de ensino: uma abordagem teórica. Revista Thema, v. 14, n. 1, p. 268-288, 2017. 

    GESSI, Nedisson Luis et al. Hackathon como modelo de aprendizagem ativa: estudo de caso de uma instituição de ensino superior do Noroeste gaúcho. Conjecturas, v. 21, n. 7, p. 225-243, 2021. 

    SEBRAE, 2019. Disponível em https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/pr/artigos/prototipo-e-mvp,6e3fcfda70d8d610VgnVCM1000004c00210aRCRD. Acesso em 22 Maio 2023.